dezembro 25, 2006

O Jaime

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Quase toda a semana ia lá, fazer a mão no salãozinho da Vila Mascote. Ambiente agradável, bom atendimento. Os mesmos rostos de sempre. A mulherada da vizinhança, as recepcionistas, as manicures, as esteticistas, as meninas do cabelo, um templo 100% feminino se não fossem os três ou quatro homens que também empunhavam tesouras por ali.

Alegres, diga-se de passagem. Como geralmente são. Falando fino, com um gingado nas cadeiras e a trocar os últimos babados com as clientes entre uma tesourada e outra. Gente finíssima! Um barato estar em sua presença.

Um deles, porém, parecia diferente. Era mais quieto, sei lá, discreto talvez. Reparei que às vezes reparava em mim. Estanho, mas tive essa impressão. Quem sabe enxergasse era aos meus cabelos com olhos de pintor frente a uma tela virgem pronta para imprimir sua arte. Ou como uma mocréia. Sim, é comum que achem que somos umas mocrécias. Talvez morresse de ódio por eu não explorar o potencial infinito de possibilidades que uma mulher pode adotar nas madeixas. Um desperdício!

Mas não. Parecia me lançar olhares heteros. Olhares não profissionais, sutis, é verdade, mas miradas de homem. Será que ele não é? Dá próxima vez perguntaria à minha manicure. Pronto, estava decidido. Era isso que faria. Com uma monossílaba ela desvendaria aquele mistério de uma vez por todas.

Chegou o dia. Ensaiei puxar o assunto com ela uma, duas, três vezes. Desisti. Ele estava muito perto e ouviria. Com certeza ouviria e eu ainda teria que explicar o porquê de estar interessada naquela informação. – “Curiosidade” – diria eu em vão, mas ninguém ia acreditar. Então receberia olhares recheados de malícia de toda a equipe do salão e nunca mais poderia pôr meus pés naquele recinto tamanho o embaraço. Não, aquela não era uma boa idéia.

Fui embora com a dúvida de sempre, frustrada e covarde. Entrei em casa ainda cuidando para não borrar as unhas. Meu pai me viu e lembrou que tinha esquecido de cortar o cabelo:

- Que merda! Liga para o Jaime e vê se ele tem hora para quarta – disse.

- Qual deles é o Jaime? - Perguntei para minha mãe.

- Ah! O único que é macho, do cavanhaque, sabe?

Sim. Eu sabia! Eu sabia! Não estava ficando louca. Respirei feliz, aliviada. Ainda havia heteros incorruptíveis até nos meios mais vulneráveis.

Um comentário:

Anônimo disse...

É, parece que a coisa está mudando... Meu cabelereiro tbm é macho, já foi até casado e é bem legal!
Gostei de como escreves. Consegues colocar sentimentos adequadamente.
Beijos de PoA e um ótimo 2007!